Receita vai fiscalizar bets, ganhos com Airbnb e uso de prejuízo fiscal
Por: Jéssica Sant'Ana e Beatriz Olivon
Fonte: Valor Econômico
A Receita Federal incluiu em seus esforços de fiscalização para este ano as
empresas de apostas de quota fixa (bets), operações em plataformas
digitais - como o Airbnb - e o uso indevido de prejuízo fiscal. Esses são
alguns dos temas apontados como prioritários no Relatório Anual de
Fiscalização, publicado na semana passada. São considerados relevantes pelo
órgão devido ao impacto na arrecadação federal e ao risco de fraude.
Além desses temas, também estão entre as prioridades o desenvolvimento dos
novos documentos fiscais para a reforma tributária do consumo e a calculadora
dos novos tributos. A lista ainda inclui a continuidade da execução do Programa
Cooperativo de Conformidade Fiscal (Confia), a adoção do e-Social para os
entes públicos, o acompanhamento da adequação das empresas às novas regras
de subvenção para investimento, a adesão indevida ao Programa Emergencial
de Retomada do Setor de Eventos (Perse) e a autorregularização da Lei do Bem
(nº 11.196, de 2005) de incentivo à inovação tecnológica.
No caso das bets, é a primeira vez que essas casas de apostas aparecem entre os
temas prioritários. O objetivo é garantir que elas atuem em conformidade com
o mercado regulado de apostas, que entrou em vigor neste ano. Também serão
fiscalizadas as empresas que atuam à margem da lei. Um grupo de trabalho
formado por integrantes da Receita Federal e da Secretaria de Prêmios e
Apostas do Ministério da Fazenda foi criado no começo do ano para avaliar e
propor ações voltadas à regularidade do setor.
Em relação a operações em plataformas digitais, a Receita detalhou quais itens
entraram na mira. Entre eles, aluguéis de imóveis por temporada em
plataformas como o Airbnb e a venda de produtos em marketplaces. Manuais
de orientação sobre tributação de rendimentos de aluguéis por temporada
obtidos por pessoas físicas, por meio de plataformas digitais, e por pessoas
físicas e jurídicas nas vendas realizadas em marketplaces serão publicados pelo
órgão.
A Receita também fará ações para os contribuintes se autorregularizarem, ou
seja, uma oportunidade para quem não informou os lucros com aluguel de
imóveis por temporada ficar em dia com o Fisco. Além disso, as reuniões com
representantes do setor continuarão, uma agenda que começou em 2024 e já
resultou no envio de dados à Receita, por parte do Airbnb, de proprietários que
alugaram acomodações por meio da plataforma entre 2020 e 2024. A empresa
também orientou os anfitriões a informar os ganhos na declaração de Imposto
de Renda.
Subsecretária de Fiscalização da Receita Federal, Andrea Costa Chaves afirmou
ao Valor que, neste ano, o órgão continuará investindo em orientação, com
priorização de medidas de autorregularização e publicação de manuais. “Nós
continuaremos investindo em facilitação e assistência, antes de um controle
coercitivo. Isso não vai mudar neste ano, vamos continuar investindo nisso”,
disse.
Outra prioridade do Fisco este ano será o combate ao uso indevido de prejuízos
fiscais do Imposto de Renda (IRPJ) e base de cálculo negativa da Contribuição
Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Segundo o relatório, contribuintes têm
apresentado valores acima do que poderiam ser efetivamente usados para o
abatimento de tributos devidos ou pagamento de acordos de transação
tributária e parcelamentos especiais - o que diminui a arrecadação federal. De
acordo com o órgão, serão adotadas medidas coercitivas de fiscalização contra
empresas que apresentam indícios de geração fictícia desses documentos.
Segundo a advogada Thais Shingai, sócia do escritório Mannrich e Vasconcelos
Advogados, existem muitas legislações hoje permitindo uso de prejuízo fiscal
para pagar débito, por meio, por exemplo, de transações, e com isso essa base
de créditos passou a chamar a atenção do órgão. “Vira um ponto de atenção
para as empresas que poderão ter seus prejuízos fiscais escrutinados pela
Receita Federal”, afirma.
Receita indica que pode haver uso de prejuízo fiscal fictício”
— Thais Shingai
A advogada diz que, com a prioridade, além da Receita indicar que pode haver
contribuinte usando prejuízos fiscais fictícios, a medida também pode encontrar
situações de aproveitamento de prejuízo em desacordo com as situações que o
órgão considera cabíveis.
A indicação das subvenções para investimento, aponta Thais, dá sequência às
ações da Receita sobre esse benefício. Em setembro de 2024, o órgão já tinha
divulgado um comunicado no site no mesmo sentido. Na publicação, a
Subsecretaria de Fiscalização da Receita aponta que, “com o intuito de orientar
os contribuintes para a conformidade por meio da autorregularização fiscal”
indica alguns dos principais tipos de exclusões indevidas a título de subvenção
para investimentos identificadas e que, na análise dos auditores fiscais, não
encontram amparo jurídico na legislação fiscal ou jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça (STJ).
Já há fiscalização e ruído no mercado com o entendimento, segundo a
advogada. “A Receita considera que créditos presumidos de ICMS ficam
submetidos à nova legislação [nº 14.789, editada em 2023, após decisão
desfavorável no STJ] e as empresas entendem que não, seguem o
posicionamento do STJ”, afirma.
A tributarista Andrea Feitosa, sócia do escritório Martorelli Advogados,
destaca, em relação ao relatório, o aprimoramento no sistema de comunicação
com o contribuinte, ao prever a criação de manuais de orientação de diversos
temas. “Essa é uma prática que a Receita Federal não usava tanto. Alguns Fiscos
estaduais usam muito”, diz.
A comunicação é positiva mas Andrea pondera que pode haver a criação de
“normas coercitivas” que considera inadequadas por meio de manual. “Não
pode ter punição para o contribuinte que não seguir o manual de orientação”,
afirma. A advogada destaca que um dos manuais será endereçado a subvenções
para investimentos e outro para o uso de prejuízo fiscal, que foi intensificado
pelas transações tributárias.
Em nota, o Airbnb informa que tem um histórico de trabalho com governos
de todo o mundo para estabelecer e compartilhar boas práticas que contribuam
para melhorar o ambiente tributário e de negócios. A plataforma informa que
paga todos os tributos devidos no país e que os anfitriões são responsáveis por
recolher impostos incidentes sobre suas operações, considerando
especificidades de suas estruturas.